Encontraremos uma breve biografia de Carl Gustav Jung, que rompeu a parceria com Sigmund Freud e desenvolveu seus próprios trabalhos e pesquisas. Fundou a chamada Psicologia Analítica e dentre seus diversos trabalhos, destaca-se a teoria do Inconsciente Coletivo, da qual é possível conhecer um pouco nas páginas a seguir.
Carl Gustav Jung nasceu no dia 26 de julho de 1875 no vilarejo de Kesswil, próxima a famosa queda do Reno na Suíça. Jung era o filho único. Seu pai Johann Paul Jung era pastor protestante da igreja reformulada, religioso, parecia ter perdido a fé, era um tanto irascível e rabugento. Sua mãe Emile Preiswerk sofria de distúrbios emocionais, uma espécie de distúrbio nervoso, provavelmente por dificuldades em seu casamento, exibia um comportamento excêntrico e alternava entre períodos onde ora era uma esposa feliz ora uma mulher endemoninhada e incoerente, falando coisas sem nenhum sentido.
Jung aprendeu desde cedo a não confiar e nem acreditar em seus pais e por analogia a desconfiar do resto do mundo. Fora uma criança solitária, mudou-se várias vezes de cidade e sua irmã nasceu somente quando ele já tinha nove anos de idade. Com todos esses fatores Jung saia do universo consciente para mergulhar em seus sonhos, fantasias e visões, ou seja, no seu inconsciente. Esse tipo de fuga dirigiu a sua infância até sua vida adulta e teve grande influência no desenvolvimento de seus trabalhos.
Jung passou por sua adolescência presenciando vários conflitos internos religiosos e encontrou consolo estudando filosofia. Após terminar a escola, Jung ingressou na University of Basel, na Suíça, onde se formou em medicina em 1902, com grande conhecimento em biologia, zoologia, paleontologia e arqueologia, contudo estava interessado em psiquiatria e recebeu uma indicação para trabalhar em um hospital de doentes mentais em Zurique.
Em 1905 Jung tornou-se professor de psiquiatria da University of Zurich, na mesma época ocupava o cargo de médico em uma clínica psiquiátrica, aonde conduziu várias pesquisas e de onde se demitiu vários anos depois para dedicar-se exclusivamente para suas pesquisas, a escrever e atender pacientes particulares. Em seus atendimentos particulares, Jung não solicitava que seu paciente deitasse no divã, ao contrário, sentavam-se um de frente para o outro em confortáveis poltronas. Outras vezes realizava o atendimento em seu barco a vela. Algumas vezes chegava até a cantar para seus pacientes.Todavia havia momentos em que era rude com seu pacientes recusando-se a atender e dizia: ”Ah, não!Não agüento ver mais ninguém.Vá para casa e cure-se sozinho, hoje” (apud Brome,1981,9.185).
Jung interessou-se pelo trabalho de Sigmund Freud em 1900 quando leu A Interpretação dos sonhos e considerou-a uma obra prima e desde então acompanhava os trabalhos de Freud.Por volta de 1906 Jung e Freud passaram a se corresponder e em 1907 Freud o convidou para visitá-lo em Viena.O primeiro encontro dos dois durou cerca de 13 horas, um inicio bem animado para aquilo que se tornaria uma amizade íntima, como a de um pai e filho, afinal Freud era vinte anos mais velho que Jung.Em 1912, por insistência de Freud, Jung tornou-se presidente da Associação Psicanalítica Internacional, mesmo com a oposição de outros membros vienenses que estavam a mais tempo no movimento psicanalítico.
Apesar da amizade com Freud e de por algum tempo se reconhecer como discípulo de Freud, Jung divergia de muitas coisas em relação às teorias de Freud, como as que os problemas sexuais são a base para todas as neuroses e o complexo de Édipo. Jung tinha seu próprio pensamento acerca dos problemas abordados pelas teorias de Freud. Os dois deixaram de se corresponder e em 1914 devido às divergências e opiniões a amizade entre os dois foi quebrada e Jung renunciou e deixou a Associação Psicanalítica Internacional.
Aos 38 anos, Jung foi acometido por problemas emocionais que seguiram por três anos, que o fez acreditar que estava ficando louco e que estava incapaz de realizar qualquer tipo de trabalho intelectual ou mesmo de ler livros, contudo não deixou de atender seus pacientes.Resolveu seus problemas confrontando sua mente inconsciente, seguindo seus impulsos inconscientes nele revelados e nas suas fantasias.Esse período foi de intensa criatividade para Jung, o que o levou a formular a teoria da personalidade.Jung fundou então o movimento de psicologia analítica, durante os anos posteriores, Jung desenvolveu suas teorias baseando-se em mitologia, história e viagens que realizou para a África, Deserto do Saara, Novo México dentre outros países, para estudar os processos cognitivos do indivíduo pré-alfabetizado. A partir dessas viagens Jung formulou sua teoria sobre o inconsciente coletivo e os arquétipos.
Em 1921 Jung publicou o seu principal trabalho, Tipos Psicológicos que trata o relacionamento entre consciente e inconsciente e propõe tipos de personalidade: introvertido e extrovertido, termo difundido e utilizado no mundo todo.Em 1932, Jung foi indicado para lecionar na Federal Polytechnical University, em Zurique, onde deu aulas por 10 anos até que a fragilidade de sua saúde o obrigou a pedir demissão. Foi criada uma cadeira de psicologia médica na University of Basel, na Suíça, mas a doença não o permitiu ocupar essa posição por mais de um ano. Durante grande parte de sua vida, Jung escreveu muito, especialmente sobre métodos analíticos e a relação entre psicoterapia e a crença religiosa. Até os 86 anos de vida, trabalhou ativamente, pesquisando, tendo publicado uma quantidade impressionante de livros.
Carl Gustav Jung morreu no dia 6 de Junho de1961, em sua casa à beira do lago de Zurique, na Suíça, após uma vida produtiva que marcou a Psicologia, Sociologia e a Antropologia.
O trabalho desenvolvido por Carl Gustav Jung teve grande influência de suas experiências de vida. Sonhos, impulsos e fantasias sempre estiveram presentes na vida de Jung e exerciam grande influência sobre ele, a aceitação de Jung das forças próprias da mente inconsciente influenciou até mesmo as suas decisões e escolhas frente a sua vida profissional.Apesar de Freud ter influenciado Jung, através de seus trabalhos, de terem trabalhado juntos e de Jung ter assumido a Associação Psicanalítica Internacional por algum tempo, a teoria desenvolvida por Jung é diferente da teoria postulada por Freud. Não se pode negar que o trabalho de Jung foi inspirado e só poderia ter sido iniciado porque Freud iniciou os estudos sobre o inconsciente, ponto onde ambos concordavam plenamente, mas na teoria de Jung não havia espaço para o Complexo de Édipo e ele não se referia à libido em termo exclusivamente sexual, ao contrário, acreditava que a libido era uma energia generalizada da qual o sexo apenas fazia parte. Para Jung a energia básica da libido expressava-se na reprodução, no crescimento e em outras atividades, na qual dependia do ser humano considerar qual era a principal em determinado período da vida.Outro aspecto no qual Jung e Freud divergia, é que Freud descrevia o indivíduo como vítima dos acontecimentos e Jung acreditava que o indivíduo pode ser moldado não apenas pelos acontecimentos do passado, mas também pelas suas metas, aspirações e esperanças para com o futuro. Para Jung, o comportamento não era totalmente determinado pelos acontecimentos dos primeiros anos de vida e poderia ser modificado ao longo da vida do indivíduo.Além do mais, Jung investigou mais a fundo o inconsciente e a partir dessa investigação escreveu sua teoria.
Antes mesmo da parceria de Jung e Freud, Jung já realizava algumas pesquisas acerca do inconsciente, conceito que já estava consolidada na base psiquiátrica de Jung, mas foi a partir do contato com Freud, real formulador do conceito em termos clínicos que Jung pode se basear para aprofundar suas pesquisas. Denominou seu sistema teórico de Psicologia dos Complexos que posteriormente foi chamada de Psicologia Analítica, resultado do contato direto com seus pacientes .Utilizando-se do conceito de “complexos” e dos estudos dos sonhos, Jung se dedicou profundamente aos meios pelos os quais o inconsciente se expressa. Jung descreveu dois estados do da mente inconsciente dentro do aparelho psíquico. Um pouco abaixo da consciência, estaria o inconsciente pessoal, onde se pode encontrar as experiências de vida do indivíduo esquecidas ou suprimidas. O inconsciente pessoal não é muito profundo e as experiências ali armazenadas poder ser facilmente trazidas para o nível de estado consciente do indivíduo.Dentro do inconsciente pessoal estariam os complexos, que são as experiências agrupadas, ou seja, padrões emocionais e de lembranças com temas em comuns. Jung os deduziu a partir de estudos iniciais de associação de palavras quando observou que determinadas palavras provocam reações intensas ou menos reação do que o esperado.
Os complexos são reforçados por eventos ambientais e por atenção ou desatenção seletiva, por isso são autoperpetuantes. Os complexos possuem energia psíquica a partir de seu tom afetivo. Quanto mais intenso o complexo, maiores serão as emoções e imagens mentais. O individuo manifesta um complexo devido à preocupação com alguma idéia, que por sua vez influencia o comportamento. Portanto o complexo consiste em uma personalidade menor dentro da personalidade total.
Em um nível abaixo do inconsciente pessoal, estaria o inconsciente coletivo, nível mais profundo da psique que contem as experiências herdadas das espécies humanas e pré-humanas, desconhecido para o indivíduo. Uma personalidade que em potencial, já se encontra no indivíduo, onde o ambiente não fornece a personalidade, apenas traz à luz o que já se encontra no indivíduo.As tendências herdadas e armazenadas dentro do inconsciente coletivo são denominadas de arquétipos que consistem em determinantes inatos da vida mental, que levam o indivíduo a comportar-se de forma parecida aos ancestrais que enfrentaram situações semelhantes, trata-se de um padrão comportamental. Os arquétipos nos predispõem a enfrentar a vida e a experimentá-la sob certas formas, de acordo com os padrões já estabelecidos na psique. As experiências arquetípicas são impressas na psique, pela repetição através dos milênios da existência da espécie humana. A experiência do arquétipo normalmente se concretiza nas emoções associadas aos acontecimentos importantes da vida, como o nascimento, a adolescência, o casamento e a morte, ou diante de um perigo extremo. Jung costumava a se referir aos arquétipos como as “divindades” do inconsciente. Jung descobriu símbolos de arquétipos comuns, mesmo em culturas distantes no tempo e espaço, sem nenhum indício de influência direta e também descobriu o que pensou serem traços desses símbolos nos sonhos relatados por seus pacientes. Todas essas informações confirmavam seu conceito de inconsciente coletivo. Os arquétipos que ocorrem com mais freqüência são a persona, a anima e o animus, a sombra e o self. A persona seria a máscara que o indivíduo usa quando está em contato com outra pessoa, para representá-lo na forma como ele deseja ser visto pela sociedade, é um arquétipo funcional que entra em ação por razões de adaptação ou conveniência pessoal, porém de forma alguma é idêntica a individualidade, sendo assim a persona não pode corresponder à verdadeira personalidade do indivíduo. Os arquétipos do anima e do animus refletem a noção de que cada indivíduo exibe algumas características do sexo oposto. A anima refere-se às características femininas presentes no homem e o animus refere-se às características masculinas presentes na mulher,se caracteriza por três aspectos: a imagem coletiva do homem herdada pela mulher, a experiência da masculinidade resultante dos seus contatos com os homens e o próprio principio masculino, latente nela.O mesmo ocorre com a anima, sendo a imagem coletiva da mulher herdada pelo homem, o resultado da feminilidade resultante dos contatos com mulheres e por fim o principio feminino latente nele. O arquétipo da sombra consiste na parte animalesca da personalidade, para Jung esse arquétipo é herdado das formas inferiores de vida. A sombra contém as atividades e os desejos imorais, violentos e inaceitáveis, ela nos incita a nos comportarmos de uma forma que conscientemente não nos comportaríamos.
Contudo a sombra possui um lado positivo, onde é responsável pela espontaneidade, pela criatividade, pelo insight¹ e pela emoção profunda, características necessárias para o desenvolvimento humano. A sombra possui qualidades opostas às manifestações na persona, em razão disso esses dois aspectos de personalidade se completam e se contrabalançam um ao outro, a sombra compensa as pretensões da persona e esta por sua vez compensa as tendências anti-sociais da sombra.
O self é para Jung o principal arquétipo, equilibrando todos os aspectos do inconsciente, o self proporciona unidade e estabilidade à personalidade, já que é um gênio organizador por trás da personalidade. Ele é responsável pela implementação do projeto de vida, em cada etapa do ciclo vital e pela efetivação dos melhores ajustamentos que as circunstâncias individuais permitem. Busca a sua plena realização na psique e no mundo.
Assim Jung tinha a seguinte visão do aparelho psíquico: a consciência, o inconsciente pessoal, os complexos, o inconsciente coletivo e por fim os arquétipos como pode ser observada na figura abaixo:
C= COMPLEXO
A= ARQUÉTIPO
Diagrama esquemático do modelo junguiano da psique.
Os trabalhos e pesquisas desenvolvidas por Jung sofreram grande influência das experiências que Jung vivenciou, é possível afirmar que apesar de Jung,quando se interessou pela psiquiatria, já acreditar no conceito de inconsciente, seu contato com Freud, apesar das divergências e da separação de ambos, foi colaborador para que ele pudesse desenvolver seu próprio trabalho e até mesmo aprofundar seus estudos acerca do inconsciente.
O trabalho desenvolvido por Jung, não foi muito valorizado na época em que foi desenvolvida, mas a descoberta do inconsciente coletivo trouxe diversas contribuições para psicologia, permitindo que se pudesse obter mais informações acerca do conteúdo e de como funciona o aparelho psíquico do ser humano, o que possibilita melhor compreensão de seu comportamento.
Por TCS-TATa
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¹Palavra inglesa que significa a expressão ter uma grande idéia
Referências
SCHULTZ, DUANE P., SCHULTZ,SYDNEY E.. História da Psicologia Moderna, Tradução da oitava edição americana.Ed.Thomson.São Paulo,2007, p.391-398.
STEVENS, ANTONY.Jung Vida e Pensamento.Ed Vozes.Petrópoles –R.J.,1993, p.46-75.
FORDHAM, FRIEDA.Introdução à Psicologia de Jung.Ed. Edusp.São Paulo,1978, p.45-62.
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