O livro “A casa do delírio” é o resultado da reportagem feita em um dos maiores manicômios judiciários da América Latina. Escrito por Douglas Tavalaro, o jornalista graduado pela Faculdade de Comunicação Social Casper Líbero adentrou na realidade obscura do que hoje é conhecido como Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico Professor André Teixeira Lima.
A realidade ali vivida é algo irreal, onde muitos preferem ignorar, esquecendo que as pessoas que estão ali, são brasileiros doentes que cometeram algum delito, mas que não podem ser condenados por serem considerados inimputáveis - não podem ser responsabilizados porque não têm condições psíquicas de compreender seus atos transgressores, são vitimas da mais perversa exclusão social e as pessoas se esquecem, porém de que todos, sem exceção, podem ir para lá um dia.
O Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico Professor André Teixeira Lima foi fundada em 31 de dezembro de 1933, ainda com o nome Manicômio Judiciário Franco da Rocha. Na época, a construção do manicômio causou furor nas cidades vizinhas e na população que morava nas redondezas, pelas oportunidades de trabalho no manicômio, pela sua estrutura arquitetônica que lembrava as cidades européias, nas quais os burgueses e os aristocratas rurais tinham os olhos vidrados e sobre tudo porque a inauguração do manicômio judiciário permitiria que a sociedade fosse limpa e protegida de todas as pessoas que não produziam, prostitutas, alcoolístas, usuários de drogas, ex-escravos e loucos, que para a elite significava um grande risco.O idealizador do manicômio judiciário, infelizmente não pode assistir à inauguração. O psiquiatra Francisco Franco da Rocha lutou por muito tempo para que o manicômio fosse construído, denunciando por diversas vezes as práticas e as leis para com os enfermos mentais, criticando a inexistência de um local apropriado para promoção de saúde mental.
No dia primeiro de janeiro de 1934, o manicômio recebeu 150 doentes mentais criminosos, todos homens.O manicômio judiciário possuía uma estrutura de presídio de segurança máxima, toda sua arquitetura foi projetada para que todos os espaços fossem visíveis.Os cantos arredondados da cela permitia que os guardas a vissem.Os muros eram altos e possuíam dois guardas em cada uma delas. O prédio tinha três andares: primeiro, o bloco administrativo e consultórios; segundo, vinte celas fortes individuais, para doentes perigosos; terceiro, dormitórios coletivos, com até trinta internos.Em 1943, foi instalada uma colônia feminina, para mulheres portadoras de deficiência mental e com pendências para com a justiça. A criação de um espaço exclusivo para as mulheres significava mais um avanço na trajetória do manicômio judiciário.
Durante a ditadura militar de 1964 começou a decadência do manicômio. O período de experiências cientificas e terapias voltadas para a reintegração social não passava de um mero sonho do psiquiatra Franco da Rocha. Com capacidade para 420 leitos, chegou a abrigar 1800 pacientes, por não haver profissionais suficientes e tempo para uma investigação mais profunda, os laudos foram padronizados em esquizofrenia paranóide.Os pacientes passaram por tratamentos terríveis como "malarioterapia", "traumoterapia", eletrochoque entre outros, quem desrespeitava as normas de conduta era punidos com doses excessivas de remédios. Os pacientes, vítimas dos mais diferentes tipos de transtorno mental e grau de periculosidade conviviam no mesmo espaço exíguo, muitos andavam nus pelos pavilhões, não existia higiene, a maioria defecava em público e alguns chegavam a comer as fezes que se acumulavam pelo pátio. Havia no manicômio judiciário um verdadeiro esgoto a céu aberto, muitos bebiam a água podre que corria. Dormiam em um improvisado colchão coletivo, formado por capim sobre o chão de cimento. Os pacientes se amontoavam para comer em cochos, buracos no chão de cimento, onde a comida era despejada. As camas eram colocadas nos corredores da enfermaria, e doentes dormiam escorados nos sanitários. O número de mortes era grande na década de sessenta.
O período de decadência do manicômio judiciário agravou-se mais na década de 1970, acreditava-se que a instituição colaborava com órgãos de repressão da ditadura militar. Muitos acreditavam que, todos os dias, presos políticos eram internados como doentes mentais. Há de fato a comprovação de quatro presos políticos que cumpriram pena no manicômio judiciário: Antonio Carlos Melo Ferreira, Dorival de Sousa Damasceno, João Adolfo Castro da Costa Pinto e Aparecido Galdino Jacinto, apesar de nenhum deles apresentarem qualquer tipo de doença mental.
A situação terrível do manicômio judiciário começou a mudar por volta dos anos oitenta, contudo isso não significou que o Manicômio Judiciário voltaria para os anos de glória como os da época de sua inauguração, apenas ocorria a diminuição do descaso e da violência que ali existia. A mudança ocorreu no mesmo período em que a ditadura militar cessava no Brasil. As mudanças começaram pela Corregedoria dos Presídios que impulsionou a completa reestruturação do sistema penitenciário, sobretudo as mudanças se deviam também as reivindicações de forças correntes que lutavam pela causa da doença mental e exigiam o direito de cidadania dos doentes, tal como a sua reintegração à sociedade.
O ambiente no Manicômio ficou mais calmo. As doses de remédios diminuíram, sendo usado somente as doses necessárias.O eletrochoque foi totalmente abolido, houve uma integração entre os profissionais.Porém ainda não havia a terapia ocupacional, a pratica de esportes, não havia dentista nem barbeiro, apesar das funções constarem no organograma da instituição.Mas uma das maiores conquistas do manicômio aconteceu nos anos de 1981 à 1984, quando foram iniciadas as visitas domiciliares,o que proporcionaria uma grande contribuição para a melhora dos internos.O quadro de funcionários aumentou, foi criado uma equipe multidisciplinar e uma nova filosofia foi adotada o que deu inicio a um processo de humanização.
Essas modificações foram resultado de várias medidas políticas nos últimos quinze anos do século XX. Em 1985, um decreto do governo estadual determinou que o manicômio deixasse de ser vinculado à Secretaria Estadual de Saúde e passasse a pertencer à Secretaria da Justiça. Em 1988 a decisão foi revogada e a instituição passou a integrar o Sistema Unificado e Descentralizado de Saúde, o antigo Suds e foi transformado em Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico Professor André Teixeira Lima, seu nome atual.Depois de cinco anos, transferiu-se novamente para justiça, subordinada à Secretaria de Administração Penitenciária.Houve profundas mudanças estruturais, o prédio construído por Ramos de Azevedo passou a abrigar a Penitenciária de Franco da Rocha, e o hospital psiquiátrico foi instalado numa antiga colônia do Juqueri, local com capacidade para quarenta homens cada.A colônia feminina permaneceu ao lado do antigo edifício até agosto de 2001.
A paisagem do hospital psiquiátrico é bela, cercada por montanhas verdes do Oeste Paulista, ergue-se um conjunto de prédios amarelos, cercados por muros altos e farpas de arame, das torres de vigia, vêem-se policiais que transitam pelas ruas de terra, ao lado de enfermeiros e médicos.A população não se ofende com o estigma criado acerca da cidade, conhecida como a “cidade dos loucos”, afinal são duas prisões de segurança máxima, uma de regime semi-aberto, uma unidade da Fundação do Bem Estar do Menor (Febem) e dois hospitais psiquiátricos, mais de 6 mil presos e 2.700 doentes mentais, a diferença está na população de enfermos que habita as duas instituições.A primeira abrigam os que cometeram crimes sem ter a consciência psíquica de seus atos.A segunda abriga os que nunca cometeram delitos e são considerados inofensivos a si próprios e à sociedade.
As principais enfermidades dos habitantes do hospital psiquiátrico são: esquizofrenia, psicose, epilepsia, transtornos delirantes e psicopatia. São consumidos mensalmente 123.200 psicotrópicos, as consultas geram média 1.600 receitas ao mês.O antipsicótico Haldol é o mais indicado pelos psiquiatras, seguido do Neozine e o Diazepam.Os medicamentos combatem alterações depressivas e eufóricas de humor, aos delírios de perseguição, às vozes que geralmente ameaçam ou dão ordens e às alucinações auditivas.Os pacientes costumam chegar aos montes no mesmo camburão, medida adotada pela polícia para economizar.São levantados os dados formais de identificação, o paciente é fotografado e ganha o uniforme.É deslocado para o CTI (Centro de Terapia Intensiva, onde permanece em observação, até sair o laudo psiquiátrico.Após ser liberado, o paciente segue pra o setor de Serviço Social, onde faz uma entrevista.
Um dos dados lamentáveis, é que o interno quase ou praticamente não tem contado com a família, que evita assumir a responsabilidade pelo doente mental e ou não quer manter qualquer elo de ligação, assim alguns internos mantêm seu contato com o mundo exterior restrito às cartas.A mutilação da cidadania prevalece por ordem da legislação brasileira, já que são considerados incapazes.Os internos não podem votar, se casar ou exercer qualquer outro direito civil. Os pavilhões tem pouca luz, pelas frestas das janelas trancadas, entram os raios de sol. Há sempre filas para as refeições no hospital psiquiátrico.
O som do hospital de madrugada é esquisito, gritos, gemidos, risos, urros, ruídos de ventos, gatos correndo e pombas voando.O namoro é proibido na instituição, mas acaba ocorrendo de forma natural.É difícil para os funcionários trabalharem em um ambiente hostil como do hospital, alguns nunca se acostumam, outros simplesmente desistem.Há sempre tentativas de fulga, mas os internos, sempre flagrados, logo desistem da tentativa.
O C.T.I. (Centro de Terapia Intensiva) é a representação do ultimo degrau que a insanidade pode alcançar, local onde a psiquiatria perde a guerra para a demência, é a imagem pura da loucura. Também conhecido como o corredor da morte, o ambiente é frio, com odor de remédios e das siringas se misturando ao cheiro de cigarro dos funcionários, o que causa incomodação para respirar. Ali todo cuidado é pouco, os pacientes que ficam no C.T.I. têm crises constantes de esquizofrenia e psicose e por isso são proibidos de conviver com os demais, por medida de segurança, ficam em celas isoladas de 3m de comprimento por 2m de largura, quase todos nus e recebem apenas dois colchões, um para deitar e outro para se cobrir.Os mistérios do C.T.I. são inescrutáveis assim como a mente dos encarcerados, mesmo durante o dia, a escuridão é predominante, restando somente algumas penumbras.Alguns pacientes andam o tempo todo na cela, outros permanecem estáticos, em absoluto silêncio.A recuperação dos internados levados para o C.T.I. é um difícil e complexo processo.
À aproximandamente 2km do prédio central do hospital psiquiátrico, encontra-se a colônia feminina das enfermas mentais.A primeira imagem é também a mais presente na lembrança: dezenas de pacientes escoradas no portão de aço cerrado, acenando ou berrando quando alguém se aproxima do outro lado.Afetividade e carência se misturam no lugar onde estão confinadas as criminosas portadoras de doenças psiquiátricas do estado de São Paulo.O hospital abriga 76 mulheres de tipos variados de transtorno mental.A maioria passa o dia vagando pelo pátio ou repousando nos domitórios. O barulho dos rádios animam as mulheres, outras porém ficam isoladas, em silêncio.A grande maioria gosta de um bate-papo, fala sobre a loucura, de comida, de seus sonhos.Uma parte evita falar da família.Há certas normas de conduta,não se pode deitar na cama de outra interna sem permissão prévia ou mexer nos objetos pessoais, isso pode acarretar em uma temporada no C.T.I. contudo, a população feminina é mais solidária, outro ponto pertinente é a questão da auto-estima, um desafio para que seja mantida.
O baile é um dos momentos mais esperados, tanto quanto o da visita da família ou mesmo o de receber o laudo de desinternação. Acontece a cada quinze dias. Homens e mulheres se encontram, e podem aliviar o sentimento de solidão, até alguns namoros se iniciam a partir do baile e alguns casais encaram como relacionamento sério, matem encontros periódicos por semanas, meses e até por anos, em encontros fortuitos quando ocorrem as recreações ou se correspondendo por cartas, o que surpreende os psiquiatras e a própria direção do hospital.
A terapia ocupacional é um fator decisivo no tratamento dos doentes mentais, incentivando neles atividades de desenvolvimento promovidas pelo Centro de Assistência Complementar.O projeto dos Psicóticos Graves, tem por objetivo reintegrar os enfermos em convívio com colegas e funcionários.Outro grande desafio para o hospital é proporcionar educação ao internos, atualmente são 110 alunos-pacientes que assistem às aulas instaladas no posto cultural, sendo um dos maiores atrativos a biblioteca.O núcleo de recreação,comanda diversas atividades, como futebol, cursos de arte, onde tem sido descoberto alguns talentos, gincanas e festivais de música, um dos maiores orgulhos do hospital psiquiátrico, é o coral formado pelos internos, que se apresentam em faculdades e seminários.
É evidente a tentativa das pessoas em tornar o hospital psiquiátrico ou o eterno Manicômio Judiciário de Franco da Rocha, um local melhor e menos cruel, há muitos planos em andamento e um grupo de profissionais de saúde mobilizados, que lutam por melhor o hospital.A diretora busca conciliar pacientes, familiares, advogados e promotores, sempre buscando o melhor para os internos, reclama que luta sozinha com a sua equipe contra a constante redução de verbas e a falta de recursos.A contradição entre a lei e a realidade da instituição salta aos olhos do primeiro corregedor que adentra suas portas. A Secretaria Nacional de Assistência à Saúde (SNAS) recomenda que os que os hospitais tenham psiquiátricos especializados e um psicólogo para cada 60 pacientes. No hospital psiquiátrico são dois psicólogos para 614 pacientes, não há clínico geral,nutricionista e terapeuta ocupacional, também exigido pela (SNAS).Outra norma obriga a instituição a ter sala de jogos,sala de estar com televisão, música ambiente e uma área de lazer que deve ser igual ou superior à área construída, medidas não existentes na realidade atual do hospital.O ponto mais evidente no processo de mudança é o Programa de Desinternação Progressiva, com a criação da colônia de desinternação, um método terapêutico que faz com que alguns doentes mentais criminosos conquistem a liberdade pouco a pouco, o que retira o rótulo do hospital de que quem entra só sai morto.
A colônia funciona no Jorgão, como uma espécie de regime semi-aberto, onde os doentes só voltam durante à noite.É raro algum interno não retornar no horário marcado e nem há rígido controle de entrada, o principal objetivo é fazer com que aos poucos aprendam a viver em sociedade, para que possam ser livres definitivamente.A Justiça ainda não despertou para o assunto, o tempo de permanência no hospital é determinado primeiramente pelo processo, depois por prorrogações anuais estabelecidas pelo juiz corregedor baseadas pela perícia, a medida de segurança tem duração de três anos, prorrogáveis pelo mesmo tempo, o que pode tornar o hospital uma prisão perpétua.
A desinternação está, ao poucos, modificando esse quadro. Os pacientes têm acesso direto ao refeitório, são responsáveis pela manutenção da geladeira, fogão, pias, mesas de madeira e bancos, todos exercem alguma atividade. Alguns conseguem emprego nas empresas de Franco da Rocha vendendo doces, artesanatos, mapas ou cachorros-quente.O sucesso do Programa de Desinternação Progressiva é comprovado pelos números, em onze anos de funcionamento, 478 pessoas que foram traídos por um surto de doença mental, estão hoje trabalhando e sustentando suas famílias. Um dos momentos mais marcantes no hospital psiquiátrico é o momento em que um paciente ganha definitivamente a liberdade.O momento é marcado por expressões de alegrias e tristeza, afinal, enquanto um paciente se vai, outros mais ainda ficam no hospital, esperando que algum dia esse momento chegue para ele também.
O hospital psiquiátrico, mostrou acerto da coragem dos profissionais de saúde, para os quais a vida não está na assepsia dos dogmas, teorias e gabinetes psiquiátricos e, sim, nos pátios, conversando diariamente com os pacientes.
O livro “A casa do delírio” além de fazer um levantamento da história acerca do Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico Professor André Teixeira Lima, faz um raio x da realidade ali vivida por internos e profissionais, transmitindo as informações, não só com um ar puramente jornalístico como deve ser uma reportagem, mas transmitindo emoções e provocando sentimentos, através das histórias narradas de vários tipos de pacientes.É sem sombra de dúvida uma das fontes referência para que se saiba sobre a doença mental e a realidade de um hospital psiquiátrico.
Por TCS-TATa
Por TCS-TATa
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