Desde o surgimento da medicalização e da institucionalização das ações sobre a doença mental, podemos dizer que a loucura foi construída sobre o modelo de exclusão social que “refere-se ao isolamento de indivíduos de conduta desviante ou considerados indesejáveis pela comunidade”. Essa construção acerca da loucura estão presentes em vários estudos históricos e, de acordo com Resende¹, a exclusão nos chamados hospícios dava-se ou por motivos de eficácia do tratamento, ou porque suas causas estavam associadas às relações familiares, ou ainda, porque o doente mental representava perigo ao grupo social, dada a dificuldade de “controlá-lo”.
É possível identificar ao longo da história da psiquiatria, as atitudes dela em relação à família do indivíduo doente mental. Se em algum momento, a família retirou-se da cena do cuidado de seu familiar doente mental, em outros, ela foi excluída por ser considerada como “nociva ao tratamento”, isto é, como se ela fosse causadora da doença, pois atrapalhava o tratamento proposto.
Outras vezes, a família do doente delegou esse cuidado pelo desconhecimento de não saber como agir frente a certas manifestações do doente, pela sobrecarga física e emocional que o sujeito doente acarretava a seus membros (Koga, 1997).
Na segunda metade do século XX, no período pós-guerra, assistiu-se a um movimento contrário ao modelo de medicalização e da institucionalização do século XIX, orientado pelo “esforço da desinstitucionalização: o doente mental deve deixar os hospitais e retornar à sua comunidade”².
No Brasil, na atualidade, bem como em vários países do mundo, vêm ocorrendo mudanças significativas nas políticas que norteiam a assistência ao indivíduo com doença mental, que tem como objetivo transformar as relações da sociedade com estas pessoas. Os movimentos de Reforma da Assistência Psiquiátrica emerge no bojo de uma ampla discussão a respeito de recentes práticas terapêuticas, práticas estas sustentadas por uma nova ética relativa ao cuidado de pessoas que sofrem de transtornos mentais graves3.
Hoje, estamos diante de uma nova lógica a orientar a atenção ao doente mental – a lógica da inclusão – entendendo-se este sujeito não constituído apenas de um aparelho psíquico que, eventualmente, necessita de diagnóstico e tratamento. A doença mental deve ser compreendida como um fenômeno complexo e histórico, atravessado pelas dimensões psicossociais, que determinam o processo saúde-doença mental.
Em nosso país, o processo da Reforma da Assistência Psiquiátrica vem apresentando avanços, todavia, embora haja inúmeras iniciativas bem sucedidas no campo da saúde mental, a cultura asilar ainda está muito presente em nosso cotidiano como o recurso assistencial de mais fácil acesso à população.Diversas iniciativas governamentais e não-governamentais, de experiências inovadoras que estão presentes em várias cidades do país, podem ser identificadas.
Experiências que cada vez mais privilegiam a criação de serviços descentralizados, estruturados em torno de recursos locais, próximos da realidade vivida pela comunidade; dentre estes, encontramos os hospitais-dia, os centros de atenção psicossocial, moradias assistidas e leitos em hospitais gerais.
Ao partirmos da ampliação do campo da saúde mental, de seus modelos de intervenções, dos espaços da prática assistencial e das relações deste campo com a família do doente mental, nos perguntamos: como esses familiares podem influenciar no tratamento do doente mental ? Qual a posição que a família assume nesse novo contexto?
Na perspectiva de abordagem da Reabilitação Psicossocial, “a doença não reside, isolada e culpabilizante, dentro do sujeito, mas no território virtual que é a interação entre os membros da família” (Saraceno, 1999), o que não significa que a família deva ocupar o lugar de culpada ou vítima. Nesta abordagem desinstitucionalizante, a família deverá ser incluída na condição de protagonista do cuidado reabilitador.
Assim, evidenciamos que o retorno do doente mental à família e à comunidade é polêmico e cercado por contradições; entre estas contradições, encontramos a carência de serviços extra-hospitalares na comunidade, a descontinuidade dos programas de reinserção social do doente mental e a desconsideração dos desgastes a que ficam sujeitos os familiares.
Sgambati(1983), na década de 80, analisa a relação entre as re-internações do doente mental em hospital psiquiátrico e a rejeição familiar. Enfatiza que o aumento das altas hospitalares não tem sido acompanhado pela criação de serviços assistenciais na comunidade para absorver esse contingente de doentes, e não tem sido avaliado se suas famílias estão preparadas para assumir esse encargo.
Fato que vem dificultando em muito a inclusão do familiar como protagonista nas estratégias de cuidado e em um suposto papel de parceria com os trabalhadores nos diversos projetos, em diferentes equipamentos de atenção à saúde mental. Diante dos quadros graves de sofrimento mental e de longa duração, como a esquizofrenia, por exemplo, encontramos familiares pessimistas quanto à possibilidade de melhora do familiar doente mental. Para muitos, são tantos os fracassos, recaídas, abandonos de tratamento, que é comum encontrar familiares desmotivados, resistentes e temerosos frente a qualquer proposta de mudança, vinda dos trabalhadores e dos serviços.
É preciso ressaltar a importância da família no tratamento ou mesmo na recuperação do doente mental, sendo ela a primeira rede social ao qual o doente mental terá contato e a porta de abertura para que o doente possa retornar à comunidade e a partir disso ter uma vida social normal e saudável, sem estigmas e preconceitos.
A família deve se envolver no tratamento do doente, contudo é preciso atendê-la e apoiá-la em suas dificuldades afinal, quando uma pessoa apresenta um problema mental não apenas ela sofre, mas também, toda a sua família e, assim, portanto, ambos precisam de apoio e acompanhamento.
A família necessita de esclarecimento a respeito da doença mental, de orientações sobre relacionamento no domicílio e, também, sobre como enfrentar os problemas sociais e econômicos – a falta de medicamentos, alimentação, vestimenta, condições precárias de moradia, a presença do desemprego, a falta de atividade para o doente mental, entre outros. Necessita vencer a falta de confiança no doente, o preconceito com relação à doença, o rótulo de louco, o desprezo e o desrespeito ao doente mental por parte daqueles que o cercam e o estigma de que ele é incapacitado para o trabalho e para assumir responsabilidades
A família é fundamental na manutenção do doente mental fora da instituição psiquiátrica. Ela precisa ser preparada e apoiada por profissionais de saúde mental, no Brasil, investisse muito pouco em trabalhos que visem o preparo da família para a convivência com o doente mental. Ao desenvolver trabalho com família, não devemos pensar apenas na hipótese dela vir até a instituição, é preciso também considerar a realidade em que ela vive, ou seja, ir até o domicílio conhecer e inteirar-se de sua vida (Macedo, 1996; Morgado, Lima 1994; Bandeira, 1991; Bandeira et al, 1994 e Koga 1997).
Muitas vezes a família, por falta de informações a respeito da doença, pela dificuldade de relacionamento e também devido as precárias condições econômicas, percebem o hospital psiquiátrico como a única alternativa de atendimento ao doente mental. Isto se deve a falta de serviços alternativos que além de tratar o doente mental, também, ajude, apoie e oriente a família. Para Bandeira et al (1994) a desinstitucionalização e conseqüentemente a reinserção social do doente mental na comunidade, somente acontecerá se houver investimento em serviços alternativos que apoiem, suportem e ajudem o doente e sua família. Sabemos, porém, que a presença destes serviços, no Brasil, ainda é tímida, pois em relação a grandeza deste país, poucas são as instituições que apresentam esta iniciativa.Por estas questões e outra mais, sabemos que conviver com o doente mental não é uma tarefa fácil.
Apesar da discussão a respeito da importância do envolvimento familiar no tratamento e da necessidade de apoio à mesma, ainda existem profissionais que, segundo Richter (1979), vêem a família como um simples auxiliar do tratamento, reduzindo-a a “atendentes mal informados” devido às precária informações que lhes são oferecidas. Explicita ainda que, muitos terapeutas preferem manter os familiares longe dos consultórios, e que, muitas vezes, justificam esse descaso alegando motivos éticos, dizendo que as informações proferidas pelo paciente são sigilosas. Sem perceber, esses profissionais, afastam a família do tratamento, sem considerar que muitos problemas do doente mental são de ordem familiar, ou seja, de relacionamento, aceitação, compreensão e tantos outros.
Outros terapeutas acusam os familiares de produtores da doença e não percebem a importância da participação da família no tratamento do doente mental. Richter (1979) aponta ainda que esses profissionais agem assim por sentirem-se despreparados para atender a família. Afinal, é mais fácil tratar de uma pessoa do que tratar de um grupo.
Consideramos de fundamental importância contar com a família no tratamento do doente, no processo de reinserção, ajudá-la a encontrar caminhos para a resolução dos seus problemas e esclarecer suas dúvidas. Macedo (1996), no entanto, observa que a família do doente mental, no Brasil, não recebe nenhum tipo de apoio para enfrentar a sobrecarga emocional e financeira, decorrente do convívio diário, pois os profissionais de saúde ainda não perceberam que a família é o seu principal aliado e encontra-se sempre disposta a enfrentar todo e qualquer tipo de esforço para manter seu membro desinstitucionalizado.
Cremos que se houver preparação da família e comunidade para o acolhimento do doente mental, ao retornar da instituição psiquiátrica, é possível a ele e sua família conduzirem suas vidas com qualidade e com saúde mental.
A família é o maior recurso na reabilitação do doente mental, por isso deve ser estabelecida uma parceria entre doente, família e profissional. Entendemos que a reabilitação psicossocial visa a não exclusão do doente mental, para tanto temos que entendê-lo como um indivíduo único, com vivências próprias, e sua abordagem terapêutica deve ser individualizada. Neste contexto, a família se torna um dos pontos importantes na reabilitação psicossocial, os profissionais da saúde precisam trabalhar com estas famílias e com a comunidade mostrando que o doente não é uma ameaça para a sociedade.
Podemos dizer que a reabilitação psicossocial está centrada em três aspectos da vida a casa, o trabalho e lazer. A família pode ser o quarto aspecto para aqueles usuários que ainda tem algum vínculo familiar.
A reabilitação deve ser realizada na rede social familiar por esta encontrar-se mais concreta e definida para a equipe terapêutica, para o paciente e para própria família. Esta rede social é muito importante na vida do doente, porque é a partir dela que este vai conseguir se inserir na comunidade.
A reabilitação vê a família como protagonista do processo de tratamento, atua como co-participes na reabilitação. A família tem um papel importantíssimo, principalmente, no que se refere a propiciar ao doente mental, melhores condições de vida.
Um dos grandes ganhos na inclusão sistemática da família no tratamento é que a família é tratada como coajuvante no tratamento e reabilitação do doente, além da retirada dos estereótipos acerca da doença mental, por exemplo, a de que a família é responsável pela doença do paciente.
Apesar dos encargos da família em face à doença mental, os membros da família podem efetivamente resolver seus problemas, intervir nas crises, promover recuperação de seus familiares com doença mental.
Na reabilitação os doentes mentais e seus familiares estão deixando de ser apenas objeto de intervenção para assumir o papel de agente transformador da realidade, opinando e participando ativamente das discussões sobre as políticas da saúde mental. Esse envolvimento da família no tratamento dos usuários diminui as recaídas e no número de internações psiquiátricas nos pacientes com transtorno mental severo.
Ao envolver a família e ao dar suporte a esta para enfrentar as dificuldades no relacionamento com a doença mental, a sobrecarga, a culpa, o isolamento social, a carência de informações, problemas de vinculo com os profissionais de saúde, situações de crise, emergência, conflitos familiares, diminui a carga emocional da família e do próprio usuário aumentando o nível de interação e empatia da família com seu familiar doente.
Assim, a reabilitação visa a permanência do doente próximo à família e à rede social, ou seja, o resgate da cidadania. A participação efetiva da família conduz ao estabelecimento de estratégias de intervenção mais abrangentes consistentes onde podem ser trabalhadas as dificuldades e necessidades de ambas, familiares e doentes mentais.
Por TCS-TATa
___________
¹Resende H. Política de saúde mental no Brasil: uma visão histórica. In: Tundis SA,Costa NR. organizadores.Cidadania e loucura: políticas de saúde mental no Brasil. Petrópolis: Vozes; 1987. p. 15-69.
²Amarante PDC, organizador. Loucos pela vida:a trajetória da reforma psiquiátrica no Brasil. Rio de Janeiro: SDE/ENSP1995.;
3Pereira RC. Lugar de louco é no hospício?! Um estudo sobre as representações sociais em torno da loucura no contexto da reforma psiquiátrica.In: Venâncio AT, Leal EM; DelgadoGD. O campo da atenção psicossocial. Rio de Janeiro: Te Corá; 1997
Referências
RESENDE, H. Política de saúde mental no Brasil: uma visão histórica. In: Tundis SA,Costa NR. organizadores.Cidadania e loucura: políticas de saúde mental no Brasil. Petrópolis: Vozes; 1987. p. 15-69.
KOGA,M. Convivência com a pessoa esquizofrênica:sobrecarga familiar. [dissertação]Ribeirão Preto(SP): Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto/USP; 1997.
AMARANTE, PDC, organizador. Loucos pela vida:a trajetória da reforma psiquiátrica no Brasil. Rio de Janeiro: SDE/ENSP1995.;
PEREIRA, RC. Lugar de louco é no hospício?! Um estudo sobre as representações sociais em torno da loucura no contexto da reforma psiquiátrica.In: Venâncio AT, Leal EM; DelgadoGD. O campo da atenção psicossocial. Rio de Janeiro: Te Corá; 1997
SARACENO, B. Libertando identidades da reabilitação psicossocial à cidadania possível. Belo Horizonte: Te Corá; 1999.
SGAMBADI, ERV. Reinternação e rejeição familiar: um estudo com pacientes psiquiátricos.[dissertação] Ribeirão Preto (SP): Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto/USP; 1983.
MACEDO; V. G. G. As famílias e a assistência psiquiátrica no Brasil. Informação Psiquiátrica, Rio de Janeiro, v.15, n.4,p.150-51, 1996
MORGADO, A. ; LIMA, L. A. Desinstitucionalização: suas bases e a experiência internacional. Jornal Brasileiro dePsiquiatria, Rio de Janeiro, v.43, n.1, 1994.
BANDEIRA; M. Desinstitucionalização ou transistitucionalização: lições de alguns países. Jornal Brasileiro de Psiquiatria.Rio de Janeiro, v.40, n.7, p.355-60, 1991.
BANDEIRA; M. et al. Desinstitucionalização: importância da infra - estrutura comunitária de saúde mental. Jornal Brasileiro de Psiquiatria, Rio de Janeiro. v.43, n.12, p.659-66, 1994.
RICHTER, H. E. A família como paciente, a origem, a natureza e o tratamento de conflitos conjugais e familiares. São Paulo : Martins Fontes, 1979.
É possível identificar ao longo da história da psiquiatria, as atitudes dela em relação à família do indivíduo doente mental. Se em algum momento, a família retirou-se da cena do cuidado de seu familiar doente mental, em outros, ela foi excluída por ser considerada como “nociva ao tratamento”, isto é, como se ela fosse causadora da doença, pois atrapalhava o tratamento proposto.
Outras vezes, a família do doente delegou esse cuidado pelo desconhecimento de não saber como agir frente a certas manifestações do doente, pela sobrecarga física e emocional que o sujeito doente acarretava a seus membros (Koga, 1997).
Na segunda metade do século XX, no período pós-guerra, assistiu-se a um movimento contrário ao modelo de medicalização e da institucionalização do século XIX, orientado pelo “esforço da desinstitucionalização: o doente mental deve deixar os hospitais e retornar à sua comunidade”².
No Brasil, na atualidade, bem como em vários países do mundo, vêm ocorrendo mudanças significativas nas políticas que norteiam a assistência ao indivíduo com doença mental, que tem como objetivo transformar as relações da sociedade com estas pessoas. Os movimentos de Reforma da Assistência Psiquiátrica emerge no bojo de uma ampla discussão a respeito de recentes práticas terapêuticas, práticas estas sustentadas por uma nova ética relativa ao cuidado de pessoas que sofrem de transtornos mentais graves3.
Hoje, estamos diante de uma nova lógica a orientar a atenção ao doente mental – a lógica da inclusão – entendendo-se este sujeito não constituído apenas de um aparelho psíquico que, eventualmente, necessita de diagnóstico e tratamento. A doença mental deve ser compreendida como um fenômeno complexo e histórico, atravessado pelas dimensões psicossociais, que determinam o processo saúde-doença mental.
Em nosso país, o processo da Reforma da Assistência Psiquiátrica vem apresentando avanços, todavia, embora haja inúmeras iniciativas bem sucedidas no campo da saúde mental, a cultura asilar ainda está muito presente em nosso cotidiano como o recurso assistencial de mais fácil acesso à população.Diversas iniciativas governamentais e não-governamentais, de experiências inovadoras que estão presentes em várias cidades do país, podem ser identificadas.
Experiências que cada vez mais privilegiam a criação de serviços descentralizados, estruturados em torno de recursos locais, próximos da realidade vivida pela comunidade; dentre estes, encontramos os hospitais-dia, os centros de atenção psicossocial, moradias assistidas e leitos em hospitais gerais.
Ao partirmos da ampliação do campo da saúde mental, de seus modelos de intervenções, dos espaços da prática assistencial e das relações deste campo com a família do doente mental, nos perguntamos: como esses familiares podem influenciar no tratamento do doente mental ? Qual a posição que a família assume nesse novo contexto?
Na perspectiva de abordagem da Reabilitação Psicossocial, “a doença não reside, isolada e culpabilizante, dentro do sujeito, mas no território virtual que é a interação entre os membros da família” (Saraceno, 1999), o que não significa que a família deva ocupar o lugar de culpada ou vítima. Nesta abordagem desinstitucionalizante, a família deverá ser incluída na condição de protagonista do cuidado reabilitador.
Assim, evidenciamos que o retorno do doente mental à família e à comunidade é polêmico e cercado por contradições; entre estas contradições, encontramos a carência de serviços extra-hospitalares na comunidade, a descontinuidade dos programas de reinserção social do doente mental e a desconsideração dos desgastes a que ficam sujeitos os familiares.
Sgambati(1983), na década de 80, analisa a relação entre as re-internações do doente mental em hospital psiquiátrico e a rejeição familiar. Enfatiza que o aumento das altas hospitalares não tem sido acompanhado pela criação de serviços assistenciais na comunidade para absorver esse contingente de doentes, e não tem sido avaliado se suas famílias estão preparadas para assumir esse encargo.
Fato que vem dificultando em muito a inclusão do familiar como protagonista nas estratégias de cuidado e em um suposto papel de parceria com os trabalhadores nos diversos projetos, em diferentes equipamentos de atenção à saúde mental. Diante dos quadros graves de sofrimento mental e de longa duração, como a esquizofrenia, por exemplo, encontramos familiares pessimistas quanto à possibilidade de melhora do familiar doente mental. Para muitos, são tantos os fracassos, recaídas, abandonos de tratamento, que é comum encontrar familiares desmotivados, resistentes e temerosos frente a qualquer proposta de mudança, vinda dos trabalhadores e dos serviços.
É preciso ressaltar a importância da família no tratamento ou mesmo na recuperação do doente mental, sendo ela a primeira rede social ao qual o doente mental terá contato e a porta de abertura para que o doente possa retornar à comunidade e a partir disso ter uma vida social normal e saudável, sem estigmas e preconceitos.
A família deve se envolver no tratamento do doente, contudo é preciso atendê-la e apoiá-la em suas dificuldades afinal, quando uma pessoa apresenta um problema mental não apenas ela sofre, mas também, toda a sua família e, assim, portanto, ambos precisam de apoio e acompanhamento.
A família necessita de esclarecimento a respeito da doença mental, de orientações sobre relacionamento no domicílio e, também, sobre como enfrentar os problemas sociais e econômicos – a falta de medicamentos, alimentação, vestimenta, condições precárias de moradia, a presença do desemprego, a falta de atividade para o doente mental, entre outros. Necessita vencer a falta de confiança no doente, o preconceito com relação à doença, o rótulo de louco, o desprezo e o desrespeito ao doente mental por parte daqueles que o cercam e o estigma de que ele é incapacitado para o trabalho e para assumir responsabilidades
A família é fundamental na manutenção do doente mental fora da instituição psiquiátrica. Ela precisa ser preparada e apoiada por profissionais de saúde mental, no Brasil, investisse muito pouco em trabalhos que visem o preparo da família para a convivência com o doente mental. Ao desenvolver trabalho com família, não devemos pensar apenas na hipótese dela vir até a instituição, é preciso também considerar a realidade em que ela vive, ou seja, ir até o domicílio conhecer e inteirar-se de sua vida (Macedo, 1996; Morgado, Lima 1994; Bandeira, 1991; Bandeira et al, 1994 e Koga 1997).
Muitas vezes a família, por falta de informações a respeito da doença, pela dificuldade de relacionamento e também devido as precárias condições econômicas, percebem o hospital psiquiátrico como a única alternativa de atendimento ao doente mental. Isto se deve a falta de serviços alternativos que além de tratar o doente mental, também, ajude, apoie e oriente a família. Para Bandeira et al (1994) a desinstitucionalização e conseqüentemente a reinserção social do doente mental na comunidade, somente acontecerá se houver investimento em serviços alternativos que apoiem, suportem e ajudem o doente e sua família. Sabemos, porém, que a presença destes serviços, no Brasil, ainda é tímida, pois em relação a grandeza deste país, poucas são as instituições que apresentam esta iniciativa.Por estas questões e outra mais, sabemos que conviver com o doente mental não é uma tarefa fácil.
Apesar da discussão a respeito da importância do envolvimento familiar no tratamento e da necessidade de apoio à mesma, ainda existem profissionais que, segundo Richter (1979), vêem a família como um simples auxiliar do tratamento, reduzindo-a a “atendentes mal informados” devido às precária informações que lhes são oferecidas. Explicita ainda que, muitos terapeutas preferem manter os familiares longe dos consultórios, e que, muitas vezes, justificam esse descaso alegando motivos éticos, dizendo que as informações proferidas pelo paciente são sigilosas. Sem perceber, esses profissionais, afastam a família do tratamento, sem considerar que muitos problemas do doente mental são de ordem familiar, ou seja, de relacionamento, aceitação, compreensão e tantos outros.
Outros terapeutas acusam os familiares de produtores da doença e não percebem a importância da participação da família no tratamento do doente mental. Richter (1979) aponta ainda que esses profissionais agem assim por sentirem-se despreparados para atender a família. Afinal, é mais fácil tratar de uma pessoa do que tratar de um grupo.
Consideramos de fundamental importância contar com a família no tratamento do doente, no processo de reinserção, ajudá-la a encontrar caminhos para a resolução dos seus problemas e esclarecer suas dúvidas. Macedo (1996), no entanto, observa que a família do doente mental, no Brasil, não recebe nenhum tipo de apoio para enfrentar a sobrecarga emocional e financeira, decorrente do convívio diário, pois os profissionais de saúde ainda não perceberam que a família é o seu principal aliado e encontra-se sempre disposta a enfrentar todo e qualquer tipo de esforço para manter seu membro desinstitucionalizado.
Cremos que se houver preparação da família e comunidade para o acolhimento do doente mental, ao retornar da instituição psiquiátrica, é possível a ele e sua família conduzirem suas vidas com qualidade e com saúde mental.
A família é o maior recurso na reabilitação do doente mental, por isso deve ser estabelecida uma parceria entre doente, família e profissional. Entendemos que a reabilitação psicossocial visa a não exclusão do doente mental, para tanto temos que entendê-lo como um indivíduo único, com vivências próprias, e sua abordagem terapêutica deve ser individualizada. Neste contexto, a família se torna um dos pontos importantes na reabilitação psicossocial, os profissionais da saúde precisam trabalhar com estas famílias e com a comunidade mostrando que o doente não é uma ameaça para a sociedade.
Podemos dizer que a reabilitação psicossocial está centrada em três aspectos da vida a casa, o trabalho e lazer. A família pode ser o quarto aspecto para aqueles usuários que ainda tem algum vínculo familiar.
A reabilitação deve ser realizada na rede social familiar por esta encontrar-se mais concreta e definida para a equipe terapêutica, para o paciente e para própria família. Esta rede social é muito importante na vida do doente, porque é a partir dela que este vai conseguir se inserir na comunidade.
A reabilitação vê a família como protagonista do processo de tratamento, atua como co-participes na reabilitação. A família tem um papel importantíssimo, principalmente, no que se refere a propiciar ao doente mental, melhores condições de vida.
Um dos grandes ganhos na inclusão sistemática da família no tratamento é que a família é tratada como coajuvante no tratamento e reabilitação do doente, além da retirada dos estereótipos acerca da doença mental, por exemplo, a de que a família é responsável pela doença do paciente.
Apesar dos encargos da família em face à doença mental, os membros da família podem efetivamente resolver seus problemas, intervir nas crises, promover recuperação de seus familiares com doença mental.
Na reabilitação os doentes mentais e seus familiares estão deixando de ser apenas objeto de intervenção para assumir o papel de agente transformador da realidade, opinando e participando ativamente das discussões sobre as políticas da saúde mental. Esse envolvimento da família no tratamento dos usuários diminui as recaídas e no número de internações psiquiátricas nos pacientes com transtorno mental severo.
Ao envolver a família e ao dar suporte a esta para enfrentar as dificuldades no relacionamento com a doença mental, a sobrecarga, a culpa, o isolamento social, a carência de informações, problemas de vinculo com os profissionais de saúde, situações de crise, emergência, conflitos familiares, diminui a carga emocional da família e do próprio usuário aumentando o nível de interação e empatia da família com seu familiar doente.
Assim, a reabilitação visa a permanência do doente próximo à família e à rede social, ou seja, o resgate da cidadania. A participação efetiva da família conduz ao estabelecimento de estratégias de intervenção mais abrangentes consistentes onde podem ser trabalhadas as dificuldades e necessidades de ambas, familiares e doentes mentais.
Por TCS-TATa
___________
¹Resende H. Política de saúde mental no Brasil: uma visão histórica. In: Tundis SA,Costa NR. organizadores.Cidadania e loucura: políticas de saúde mental no Brasil. Petrópolis: Vozes; 1987. p. 15-69.
²Amarante PDC, organizador. Loucos pela vida:a trajetória da reforma psiquiátrica no Brasil. Rio de Janeiro: SDE/ENSP1995.;
3Pereira RC. Lugar de louco é no hospício?! Um estudo sobre as representações sociais em torno da loucura no contexto da reforma psiquiátrica.In: Venâncio AT, Leal EM; DelgadoGD. O campo da atenção psicossocial. Rio de Janeiro: Te Corá; 1997
Referências
RESENDE, H. Política de saúde mental no Brasil: uma visão histórica. In: Tundis SA,Costa NR. organizadores.Cidadania e loucura: políticas de saúde mental no Brasil. Petrópolis: Vozes; 1987. p. 15-69.
KOGA,M. Convivência com a pessoa esquizofrênica:sobrecarga familiar. [dissertação]Ribeirão Preto(SP): Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto/USP; 1997.
AMARANTE, PDC, organizador. Loucos pela vida:a trajetória da reforma psiquiátrica no Brasil. Rio de Janeiro: SDE/ENSP1995.;
PEREIRA, RC. Lugar de louco é no hospício?! Um estudo sobre as representações sociais em torno da loucura no contexto da reforma psiquiátrica.In: Venâncio AT, Leal EM; DelgadoGD. O campo da atenção psicossocial. Rio de Janeiro: Te Corá; 1997
SARACENO, B. Libertando identidades da reabilitação psicossocial à cidadania possível. Belo Horizonte: Te Corá; 1999.
SGAMBADI, ERV. Reinternação e rejeição familiar: um estudo com pacientes psiquiátricos.[dissertação] Ribeirão Preto (SP): Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto/USP; 1983.
MACEDO; V. G. G. As famílias e a assistência psiquiátrica no Brasil. Informação Psiquiátrica, Rio de Janeiro, v.15, n.4,p.150-51, 1996
MORGADO, A. ; LIMA, L. A. Desinstitucionalização: suas bases e a experiência internacional. Jornal Brasileiro dePsiquiatria, Rio de Janeiro, v.43, n.1, 1994.
BANDEIRA; M. Desinstitucionalização ou transistitucionalização: lições de alguns países. Jornal Brasileiro de Psiquiatria.Rio de Janeiro, v.40, n.7, p.355-60, 1991.
BANDEIRA; M. et al. Desinstitucionalização: importância da infra - estrutura comunitária de saúde mental. Jornal Brasileiro de Psiquiatria, Rio de Janeiro. v.43, n.12, p.659-66, 1994.
RICHTER, H. E. A família como paciente, a origem, a natureza e o tratamento de conflitos conjugais e familiares. São Paulo : Martins Fontes, 1979.
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